ARACAJU/SE, 31 de março de 2025 , 13:07:34

Candidaturas avulsas: mais um canto da sereia ecoando no mar da democracia brasileira

O debate acerca da possibilidade de lançamento de candidaturas avulsas — ou seja, sem a intermediação de partidos políticos — encontra-se vivo no Brasil. Eleição após eleição, deparamo-nos com algumas tentativas de obtenção do deferimento do registro de candidatura para concorrer a cargo público eletivo sem filiação partidária. Invariavelmente, esses pedidos se baseiam no argumento de que o monopólio das agremiações partidárias na escolha e no registro dessas candidaturas gera óbice ao livre exercício, pelo cidadão, do seu direito político em sua dimensão passiva. No Supremo Tribunal Federal, a matéria encontra-se pronta para ser enfrentada pelos onze ministros da Corte, pendente apenas a sua inclusão no calendário de julgamentos do tribunal. De fora à parte a questão jurídico-constitucional envolvida, o que poderá ser objeto de futura reflexão, não há como negar que a crise que atinge o sistema partidário brasileiro vem gerando a profunda desconfiança da cidadania, especialmente no que diz respeito ao papel dos partidos políticos como canal válido e eficaz de representação. Todavia, se, por um lado, o sistema dá sinais de esgotamento, não se pode aceitar, por outro, respostas que, apesar de sedutoras, conduziriam ao incontornável naufrágio das instituições políticas e até mesmo da própria democracia. Não são poucas as críticas endereçadas ao nosso sistema partidário, dentre as quais merece um maior destaque a alta fragmentação partidária, justamente por ser ela uma das grandes responsáveis pela crise de governabilidade hoje parcialmente contornada mediante a formalização de coalizões sustentadas por acordos dos mais variados tipos. A aceitação das chamadas candidaturas avulsas tende a trazer ainda mais embaraços à governabilidade, sobretudo no que se refere à já complexa relação entre o parlamento e o Executivo. Isso porque a articulação entre os Poderes Executivo e Legislativo, muitas vezes realizada por intermédio dos líderes dos próprios partidos políticos, tenderá a ser instrumentalizada de maneira individual, focada exclusivamente na figura do avulso. Esse novo jeito de fazer política — e a cogitação, aqui, é plenamente possível —, acentuaria ainda mais o poder de barganha dos parlamentares eleitos de forma avulsa e dificultaria, no plano majoritário, a atuação do chefe do Poder Executivo que, em tese, poderia também ser eleito de forma avulsa. Nesse cenário, como se daria esse diálogo entre Poderes? Como essa conversa institucional seria realizada? Não há como precisar, mas é possível antever graves dificuldades. Mais do que as hoje existentes. Diante disso, ao invés de sucumbir facilmente a mais esse novo canto da sereia, parece-nos muito mais ajustado aos ideários democráticos professados pela Constituição de 88 exigir-se a criação de um novo regime jurídico para os partidos políticos. Mas um regime jurídico que posicione as agremiações político-partidárias como uma eficaz intermediária entre os anseios da sociedade e do estado, funcionando, muita das vezes, até mesmo como um importante filtro ideológico sobre seus filiados, barrando, por exemplo, a candidatura de uns e outros que podem se comportar muito mais como uma irremediável ameaça democrática do que como um digno representante popular. Ademais, esse papel que se imagina de um partido político tem ainda mais razão num ambiente democrático dominado por mundo digital praticamente desregulado e francamente hostil. Passou da hora, portanto, de a cidadania exigir uma profunda reforma no sistema político-partidário brasileiro e rechaçar soluções rasas e democraticamente perigosas. Independentemente disso, porém, é imperioso reconhecer que a racionalidade partidária de hoje, mesmo com todos os defeitos que possui, ostenta condições, ao lado da firme e como sempre responsável atuação do Tribunal Superior Eleitoral, de refrear candidaturas danosas à própria democracia. É certo que é preciso aguardar o juízo do Supremo Tribunal Federal em relação à constitucionalidade das candidaturas avulsas, mas isso não bloqueia o dever cidadão de cobrar, desde já, aprimoramentos no sistema político, especialmente no partidário.

 

Fabrício Medeiros é advogado em Brasília, Mestre em Direito e Professor Universitário, e-mail: fabmendesmedeiros@gmail.com